Flossie Wong-Staal

— Maria Eduarda Brandão

Foto: NCI Visuals Online

Quando o assunto é pesquisa médica, poucos cientistas podem competir com o legado que a Dra. Flossie Wong-Staal criou.

Wong Yee Ching, mundialmente conhecida por seu nome Flossie Wong-Staal, nasceu no dia 27 de agosto de 1946 em Guangzhou (Cantão), uma grande cidade portuária a noroeste de Hong Kong, às margens do rio das Pérolas na China. Entretanto, após a Guerra Civil Chinesa (1945-1949), seu pai havia se mudado sozinho para Hong Kong no Japão para trabalhar, deixando Flossie e sua mãe, irmã e irmão até que fossem autorizados pelo governo chinês para se juntar ao pai em Hong Kong em 1952. 

Durante sua vida em Hong Kong, frequentou uma escola católica exclusiva para garotas onde se destacou academicamente e seus professores a impulsionaram a seguir na direção da ciência, inicialmente, relutou já que não se interessava por ciência, mas passou a amá-la. Ela seria a primeira pessoa de sua família a obter um diploma universitário, mesmo que nenhuma mulher em sua família tivesse trabalhado fora de casa ou estudado ciências, seus pais incentivaram suas atividades acadêmicas. Sobre seu incentivo, Flossie explicou em entrevista ao shift7, “Minha mãe nunca foi para a faculdade, mas minha mãe é meu modelo. Ela tinha um caráter muito forte e era muito inteligente – ela simplesmente não teve a oportunidade. Ela viu que eu tinha aptidão acadêmica e me apoiou. Mesmo que nossa família não fosse bem de vida, ela juntou recursos para sustentar”. 

Com a sugestão de seus professores, em 1965, aos 18 anos, Wong Yee mudou-se para Los Angeles, nos Estados Unidos, a fim de estudar Bacteriologia na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA).  Seus professores também convenceram seu pai dos benefícios da alteração de seu nome para algo mais “inglês”, logo Wong Yee Ching renascia como Flossie Wong-Staal, recordando de um tufão que atingiu a área onde habitavam, seu pai escolheu “Flossie”. Concluiu sua graduação em Microbiologia em apenas três anos, depois obteve PhD (equivalente ao doutorado) em  Biologia Molecular em 1972 e aceitou um cargo de pós-doutorado na Universidade da Califórnia, San Diego (UCSD). 

Em 1973, Wong-Staal ingressou no National Cancer Institute (NCI) em Bethesda, Maryland – parte do National Institutes of Health, seu foco de estudo era o retrovírus juntamente ao pioneiro no estudo do HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), que é o agente causador da AIDS (do inglês, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), Robert Gallo. Flossie, com seu Ph.D. da UCLA em Biologia Molecular, tornou-se o complemento ideal para a intuição científica baseada na medicina de Gallo, e os dois viriam a ser co-autores de mais de 100 artigos de periódicos nos próximos 20 anos. 

Durante o início da década de 80, a AIDS foi considerada oficialmente como uma potência epidêmica, assim, em 1983, com a descoberta que o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) era o agente causador da AIDS, pois um dos primeiros projetos de pesquisa de Flossie no laboratório foi clonar e sequenciar HTLV1 (considerado primeiro do HIV), seus resultados mostraram que ele esgotou as células T, um resultado que forneceu fortes provas de que o vírus causava a AIDS e por estar afetando as células T, foi estabelecido como um retrovírus no mesmo ano, Flossie Wong-Staal estava fazendo descobertas revolucionárias que mudariam o curso do diagnóstico e tratamento da AIDS nos Estados Unidos e em todo o mundo. De acordo com o Office of NIH History, a Dra. Wong-Staal iniciou a caracterização molecular do vírus da AIDS em 1984. Em 1985, Flossie e sua equipe foram responsáveis pela clonagem e mapeamento genético do HIV.  

Esse feito foi fundamental pois a clonagem e o sequenciamento genético de um vírus contribuem não apenas para descobrir a causa da doença, mas também, posteriormente, para a criação de testes diagnósticos e medicamentos para tratamento; o grupo de Flossie também foi o primeiro a indicar que não seria possível fazer uma vacina padrão devido a diversidade genética do vírus de diferentes pacientes, tanto interpacientes quanto intrapacientes.

Ela explicou em uma entrevista de 1997 pelo NIH Historical Office, “Ficou claro que o HIV não é uma entidade genética única, que há variação entre os diferentes isolados. Mas o que foi descoberto – e acho que somos um dos primeiros, senão o primeiro, grupo a mostrar – é que também há, mesmo do mesmo paciente, se você olhar para diferentes clones do mesmo paciente, você pode ver variação também. […] Um anticorpo de um paciente que pode neutralizar seu próprio vírus pode não neutralizar outros isolados de vírus. Mas, além disso, dentro do mesmo paciente, o anticorpo neutralizante contra um isolado anterior pode não neutralizar um isolado posterior, portanto, novamente sugerindo a deriva”.

Flossie deixou o Instituto Nacional do Câncer em 1990, e nesse mesmo ano, voltou a trabalhar na UCSD, e se tornou presidente do Centro de Pesquisas de AIDS da Universidade da Califórnia, em San Diego. Se aposentou em 2002, como Professora Emérita e no mesmo ano, tornou-se Diretora Científica da empresa de biotecnologia iTherX (anteriormente Immusol), trabalhando com doenças infecciosas, câncer, hepatite C e terapia genética para HIV.

Flossie acumulou vários elogios e prêmios, incluindo ser membro da National Academy of Medicine (1994) e da Academia Sinica em Taiwan (1994). Foi homenageada como uma das 50 melhores mulheres cientistas pela Discover Magazine (2002). Pelas suas contribuições para a ciência, o Instituto de Informação Científica elegeu Wong-Staal a melhor cientista feminina da década de 1980. Em 2007, o The Daily Telegraph anunciou que a Dra. Wong-Staal como o número 32 dos 100 melhores gênios vivos. Já em 2019 foi admitida no Hall da Fama Nacional da Mulher em mais um reconhecimento de sua contribuição excepcional à virologia. Segundo Genoveffa Franchini, uma investigadora sênior no NCI Vaccine Branch, pós-doutoranda no laboratório de Flossie naqueles dias inebriantes da década de 1980, o domínio da biologia molecular de Flossie foi uma das principais razões pelas quais Bob e outros no NIH puderam avançar tão rapidamente na pesquisa do HIV.  

Vale ressaltar que os artigos de Flossie foram citados mais do que qualquer outra cientista mulher nos anos 1980. Humildemente, Flossie explicou em entrevista que se devia provavelmente porque era um tópico de grande interesse e porque o HIV foi um novo vírus, houve muitas novas descobertas. 

Flossie morreu aos 73 anos, no dia 8 de julho de 2020, decorrente de uma infecção de pneumonia em La Jolla, Califórnia, nos EUA. Deixou marido, filha e netos para trás junto com uma legião de fãs  que se espelham no exemplo dessa grande mulher e na sua força.

“As mulheres podem alcançar tanto quanto os homens na ciência ou em qualquer campo. Basta fazer o seu melhor e se manter por conta própria. Seja franco, seja assertivo.”

“As mulheres podem alcançar tanto quanto os homens na ciência ou em qualquer campo. Basta fazer o seu melhor e se manter por conta própria. Seja franco, seja assertivo.”

Flossie Wong-Staal

Que ela seja o exemplo que dê força a jovens meninas percorrerem o caminho de STEM.

Para aqueles que se interessarem e quiserem saber um pouco mais sobre essa grande mulher, deixaremos sua entrevista oral (em inglês) sobre a resposta do National Institutes of Health à AIDS. A entrevista foi realizada no dia 10/12/1997 no National Institutes of Health (NIH). Duas mulheres foram entrevistadoras:  Victoria Harden, Ph.D., Diretora, Office of NIH History, e Caroline Hannaway, Ph.D., Historical Contractor, NIH. Clique aqui para ler a entrevista.

Referências

VERONEZI, Giovana Maria Breda. Celebrando Flossie Wong-Staal – a mulher que revolucionou os estudos da AIDS. Blog Ciência pelos Olhos Delas. Campinas, São Paulo, 03/07/2020. Disponível em: <https://www.blogs.unicamp.br/cienciapelosolhosdelas/2020/07/03/flossie-wong-staal-descoberta-hiv-aids-quadrinhos/>. Acesso em: 01/04/2021

WESTON, Madalyn. Celebrating Women in STEM: Dr. Flossie Wong-Staal. The University News: University of Missouri-Kansas City. Missouri, 15/02/2019. Seção Column. Disponível em:  <https://info.umkc.edu/unews/celebrating-women-in-stem-dr-flossie-wong-staal/>. Acesso em: 01/04/2021

In Memoriam: Flossie Wong-Staal, Ph.D. NCI Center for Cancer Research. Bethesda, Maryland, 13/07/2020. Disponível em: <https://ccr.cancer.gov/news/article/in-memoriam-flossie-wong-staal-phd>. Acesso em: 01/04/2021

Alzner, Susan. Flossie Wong-Staal, First scientist to clone HIV and determine the function of its genes. Amy Poehler’s Smart Girls. 07/01/2020. Disponivel em: <https://amysmartgirls.com/20for2020-flossie-wong-staal-first-scientist-to-clone-hiv-and-determine-the-function-of-its-9b4680e0f467>. Acesso em: 01/04/2021

Flossie Wong-Staal. Blog GPET Física. Paraná, Brasil. 28/10/2019. Disponível em: <https://www3.unicentro.br/petfisica/2019/10/28/flossie-wong-staal/>. Acesso em: 01/04/2021


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Maria Eduarda Brandão