Mirtha Lina Fernández Venero


“De pequena queria estudar todas as ciências! Adoro a matemática, queria ser física (na verdade astronauta), tenho paixão pela química e a genética. Porém, sou muito distraída, sempre errava alguma conta e sou péssima para decorar. Até tentei ir pelo caminho da eletrônica, mas queimava os circuitos […]”

Mirtha Lina Fernández Venero

Não era possível começar um texto sobre essa mulher incrível, sem citar primeiro sua alegria; riso contagiante, é a memória mais vívida na mente de cada pessoa que teve a oportunidade de viver momentos a seu lado; é o som que reverbera na mente quando a saudade bate. Mirtha é considerado na antiguidade o símbolo do amor e da beleza, nada mais justo, afinal seu riso refletia sua beleza interna.

Mirtha foi filha, mãe, professora, pesquisadora, mentora e provou que os maiores exemplos podem ser aqueles que caminham ao nosso lado. Mas para falar de todas essas características é preciso saltar anos no tempo e no espaço, até chegar em meados da década de 1970 em Cuba, quando uma bebê nasceu chorando e já trazendo alegria ao seu redor; uma MirTica que desde pequena queria estudar todas as ciências, adorava matemática, cresceu a ponto de querer ser astronauta, desenvolver uma paixão pela química e a genética que persistiu por toda sua vida. Até que no meio do ensino médio, encontrou uma professora de programação que lhe mostrou que a Computação faz parte de tudo e incentivou seu amor pela área.

Ingressou na graduação no Bacharelado em Ciência da Computação, na Universidad del Oriente (UO), localizada na cidade de Santiago de Cuba, em Cuba. Graduou-se em 1994 com a tese: Formalização denotacional da semântica de tipos de dados em Linguagens de Programação Processual (do espanhol “Formalización denotacional de la semántica de tipos de datos en Lenguajes de Programación Procedimentales”) sob a orientação do Dr. Alejandro Garcés Calvelo. Todas sabemos alguma história sobre seu tempo de graduação, mas a que mais marcou a história desse coletivo foi o desabafo no Evento Dias da Ada em 2019, ao relatar a baixa representatividade feminina no seu curso, do machismo presente durante sua ascensão a área de STEM e que era um dos motivos pelo qual deveríamos nos unir. Continuou trabalhando com o Dr. Alejandro Garcés Calvelo no ano de 1995, na Universidad Central Marta Abreu de Las Villas (UCLV), em Cuba, para obtenção do Mestrado em Computação Aplicada em 1996 com a tese: Uma linguagem de especificação para tipos de dados (do espanhol “Un Lenguaje de Especificación para Tipos de Datos”).

Provando que o mundo não conseguiria segurá-la num mesmo lugar, viajou para a Espanha com uma bolsa conquistada na Agência Española de Cooperação Internacional (AECI) para ingressar no doutorado, em 1999, na Universitat Politècnica de Catalunya (UPC) na cidade de Catalunha; sob a orientação de Albert Rubio e Coorientação de Guillem Godoy, recebeu seu Doutorado em Software em 2007, com a tese: Término da reescrita com pedidos não monotônicos (do espanhol “Termination of Rewriting with Non-Monotonics Orderings”).

Durante seu doutorado, participou de diversos congressos como o 8th International Conference on Logic for Programming, Artificial Intelligence and Reasoning (LPAR) em 2001, na cidade Havana em Cuba; o Federated Conference on Rewriting, Deduction and Programming, e o encontro também no ano de 2003, 6th International Workshop on Termination, ambos na cidade de Valência, localizada na Espanha. Pisou em terras brasileiras em 2004, na cidade do Rio de Janeiro, para o European Joint Conferences on Theory and Practice of Software.

Já é possível notar a determinação e resiliência que ela apresentava desde cedo, poliglota (Espanhol, Inglês, Português, Catalão) não deixou que suas limitações a prendessem, persistiu nos seus sonhos e caminhos. Embarcou numa nova aventura ao tentar o pós-doutorado no Brasil em 2009, o que se transformou numa tentativa frustrada, mas não desistiu de seus sonhos  e voou longe, voou até pousar em 2011 na cidade de São Paulo como bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) na Universidade de São Paulo (USP) para seu pós-doutorado, onde permaneceu até 2014.

Em junho de 2014 começaria sua jornada na Universidade Federal do ABC, como Professora Visitante, onde viria a ser sua casa, cheia de amizade, amor, inspiração, cuidado e plantas, em 2017 se tornou Professora Adjunta. É difícil quantificar quantas pessoas essa grande mulher ajudou, orientou, cuidou, mas é fácil elencar seus projetos de mudanças sociais!

Seus projetos de desenvolvimento, do ano de 2018, consistiram no “Conjunto de aplicativos móveis acessíveis para apoio ao aluno deficiente visual e auditivo” e “Jogo educacional para o ensino interdisciplinar de ciências, matemática e educação científica”. Foi integrante do projeto de ensino “Met@ Aprendizagem: Recursos e estratégias metacognitivas para apoiar a construção do pensamento lógico” e do projeto de extensão “Diversão Séria: Desenvolvimento de jogos educacionais”; e coordenou o “++C&TpM: Desmistificando a Ciência da Computação e as Tecnologias da informação por e para Mulheres”, projeto que deu origem ao coletivo Mirtha Lina, em homenagem a essa grande mulher.

Esse último seu apelo mais profundo, surgiu da necessidade e vontade, de alunas e professoras, de aumentar a proporção de mulheres nos cursos de STEM e tem como principal objetivo desenvolver iniciativas que contribuam para o aumento da representatividade feminina no Bacharelado em Ciência da Computação e em cursos e disciplinas afins na UFABC. Foram ministrados três cursos de Introdução à Lógica de Programação, eventos, workshops, meetups, ciclos de palestras. O que começou como um projeto de monitoria acadêmica se transformou numa família, que por amor a Mirtha e a seus ideais, permaneceu e permanecerá unida. 

Foi com grande pesar que recebemos a notícia de seu falecimento no dia 08 de novembro de 2019, não há reconforto para a tristeza que sua partida prematura nos causa, a não ser a lição que ela nos passava de que a vida não precisa ser perfeita para ser maravilhosa. Nos esforçamos para honrar sua memória, levar adiante seu legado e dar seguimento a seus projetos e ideais que vão de computação inclusiva, equidade de gênero em C&T, em particular em Ciência da Computação a desenvolvimento de estratégias metacognitivas e jogos para o aprendizado de programação. 

Em meio ao sentimento de tristeza, a Lara, participante do projeto, acabou resgatando uma bonita lembrança de um momento que teve com a Mirtha, ela estava na sala da Mirtha, que tinha ganhado da Denise, professora participante do cMin@, um saquinho com pitangas do quintal da De, que ela comia como se fosse pipoca, apaixonada. Nunca tinha comido e disse que nunca tinha visto em Cuba. Ela só comia e dava risada dela mesma apaixonada pelas pitangas. Então decidimos plantar dois pés de pitanga pela UFABC para manter essa lembrança sempre viva.

  • Preparando a terra para plantar a pitangueira
  • Emocionadas ao terminar de plantar a pitangueira em homenagem a Mirtha
  • Memorial na porta da sala da Mirtha após seu falecimento

Deixamos aqui uma das reflexões da Mirtha, para que sirva de inspiração e que dê forças para cada pessoa que ler essas palavras.

“O sistema patriarcal fez com que, até hoje, seja difícil para muitas meninas, em especial pobres e negras, conciliar casa, estudo, trabalho e seus desejos e aspirações pessoais como mulheres. Porém não desistam de fazer o que vocês quiserem, criem sua própria fila de prioridades e peçam, aceitem e ofereçam ajuda. Vocês são mais fortes do que imaginam e juntas seremos muito mais.”

A Mirtha vive, dentro de cada uma de nós, seja conhecendo-a diretamente ou não.